domingo, 28 de dezembro de 2008

Para viver um grande amor

Os anos 90 foram os anos em que Barrados no Baile embalava os sonhos dos jovens de viverem um grande amor e uma grande adolescência.

Dos meus amores, não posso reclamar. Foram muitos, bastante diversos e mobilizaram em mim várias coisas bacanas. Esse post, ainda que talvez excessivamente sintético, é um tributo à participação de cada um deles (pelo menos dos mais importantes) na minha vida.

- Do namorado modelo, agradeço o despertar.
- Do namorado 10 anos mais velho, agradeço primeiramente a paixão. Agradeço igualmente a clareza e a honestidade infinitas.
- Do namorado ultimoanista, agradeço a proteção e a oportunidade de me ver cantora por um dia.
- Do namorado amigo-de-infância, agradeço aquelas férias.
- Do namorado poeta, agradeço a intensidade e os poemas publicados.
- Do namorado bucólico, agradeço a leveza e a liberdade que conquistei.
- Do namorado maluco-beleza, agradeço a energia e os sustos resultantes das frases de efeito.
- Do namorado comediante, agradeço as muitas risadas e todo o apoio.
- Do namorado aventureiro, agradeço os dias, as noites e os horizontes.
- Do namorado carioca, agradeço a recuperação, a boa forma e a lição.
- Do namorado GV-ista, agradeço a ajudinha e o CD.
- Do namorado literato, agradeço a minha própria ousadia e as infindáveis conversas.

Do namorado marido, o namorado definitivo, agradeço o bem-estar, o aconchego, o amor e a coragem para a tomada de grandes decisões.

sábado, 27 de dezembro de 2008

A escolha profissional

Nos anos 90 já estava a todo vapor a disseminação da ideologia pró-globalização. As pressões por competência, informação, produtividade, mobilidade (...) eram constantes. O fantasma do desemprego estrutural estava sempre por perto, nas reportagens praticamente diárias sobre a dificuldade de todos (e mais especialemnte dos jovens) conseguirem seu primeiro emprego.

Não passei impune por tudo isso. Não passei impune principalmente pelo que meus pais pensavam sobre tudo isso.

Não cursei o colegial regular. Não achava meu colégio suficientemente bom e, por alguma razão, não quis mudar para outro. Neguei todos. 8 ou 80. Com o apoio do meu pai.

Além da decepção com o colégio, existia o contraste entre a infelicidade da minha mãe - pessoa de humanas - e a indisfarçável empolgação do meu pai - pessoa de exatas. Comprei a idéia de que, com o pacotinho correto (o das exatas), minha vida seria boa.

Nessa época, já tinha uma grande experiência em renunciar - a ponto de não reconhecer - meus próprios desejos. Aí entra o apoio da minha mãe (na realidade, estou falando aqui do incentivo ao subterfúgio de questionar e suprimir as próprias vontades, sugerido em tantas outras ocasiões).

Em função dessa escolha, desviei da rota que me seria mais natural e vaguei insatisfeita e incompleta por aí, por muito tempo.

A questão estaria melhor resolvida se as origens do pensamento que desembocaram na escolha equivocada estivessem superados. Se as armadilhas estivessem mapeadas e não houvesse mais nenhum perigo.

Mas sei que eu ainda sou essencialmente a mesma. Com essa habilidade extrema de me esconder de mim mesma para não deixar vir à tona que, na verdade, eu preferiria mesmo era tomar o caminho mais arriscado.

Sou assim e é isso que me deixa triste.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Interditada

Está rolando um bloqueio para escrever sobre os anos 90. Década de muitos assuntos privados e algumas escolhas erradas que eu não estou querendo revisitar...

domingo, 21 de dezembro de 2008

A melhor redação que escrevi na vida

Chico Buarque lançou seu primeiro livro, Estorvo, no início dos anos 90. E foi no início dos anos 90 que recebi os maiores incentivos para escrever. A maior entusiasta da minha carreira como escritora mirim foi a professora Dora.

Me lembro que como ela ficou inconsolável quando decidi sair da escola na 8ª série para entrar no curso técnico de Automação da Manufatura. "Você não vai escrever mais nenhuma redaçãozinha?" foi a única frase que ela conseguiu dizer. E tinha toda a razão.

A Dora pediu uma vez pra gente escrever uma descrição de um professor. Alguns dias antes, eu tinha usado um adjunto adverbial muito bem colocado (certamente por influência da "Tabacaria", de Fernando Pessoa) num outro texto. Recebi um mega elogio dela! Com a solicitação da descrição de um professor, identifiquei imediatamente a grande chance e pus minhas mãos à obra.

O texto que escrevi utilizava basicamente adjuntos adverbiais e adjetivos, todos em relação de oposição entre si. Terminava com "matematicamente metafórico, simplesmente complexo, comprovadamente humano". Reli o texto com a certeza de que aquela tarde procurando sinônimos e antônimos no dicionário tinha valido a pena. O texto tinha estilo, ritmo, força. Eu me sentia a própria herdeira do legado de Chico Buarque, para dizer o mínimo.

Alguns dias depois a Dora me chamou pra conversar e perguntou como foi o processo de escrita da redação. Contei toda a empreitada, ela agradeceu a explicação e, alguns dias depois, chegou a minha nota. Eu tinha tirado B.

Li muitas vezes a justificativa que acompanhava o B até conseguir entender o que tinha acontecido. Ela dizia que o objetivo não era que nós fizéssemos um texto construído, artificial. Como se os grandes escritores não trabalhassem muito em seus textos antes de serem publicados! Vai entender...

O mais legal de tudo foi que isso não abalou em nada minha confiança no meu texto, como seria de se esperar de mim. Apenas entendi naquele momento que critérios são critérios e que gosto não se discute. Segui feliz com a minha vida (e com meu texto).

Convicção é algo que realmente devemos praticar em tudo o que fizermos. Vive-se muito melhor quando se conta com ela.

sábado, 20 de dezembro de 2008

O irmão da Bia

Nos anos 90 foi lançado o Moving Sound, da Phillips. Não há quem não se lembre do cara no comercial tomando banho, com seu som em formato triangular preso no box tocando "Pump Up the Jam".

Eu voltava pra casa de ônibus escolar naquela época. Tinha um cara muito chato, irmão mais velho de uma menina que era fresca (ou seja, só um pouco menos chata do que ele), que voltava no ônibus com a gente. Eu odiava esse menino. Ele não respeitava nada nem ninguém, enchia demais o saco do meu irmão e era feio e nojento e tudo de ruim.

Mas um dia ele dançou o "Pump up the Jam" no ônibus e eu tive que dar o braço a torcer: nunca tinha visto um menino dançar tão gostoso alguma música assim. Em geral os meninos eram desajeitados.

Demorei um pouco para aceitar que alguém que eu detestava tanto pudesse fazer alguma coisa que eu admirasse.

Talvez essa tenha sido minha experiência mais marcante de superação do maniqueísmo infantil.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Cartas de amor e desamor

Nos anos 90 aconteceu a popularização do e-mail. Mas eu ainda escrevi muitas cartas antes do e-mail efetivamente ter um impacto na minha vida.

A sensação de receber cartas é incomparavelmente mais interessante do que a de receber e-mails. Especialmente as cartas de amor.

Cartas vêm escritas na letra da pessoa, muitas vezes borrifada com o perfume da pessoa e nunca escrita secamente, até porque escrever e postar cartas exige um esforço e, portanto, um envolvimento e uma intenção maior por parte do remetente de ver a mensagem chegar a seu destino.

Escrevi algumas cartas de amor para o meu primeiro namorado, um homem lindo e alto e cheio de histórias interessantes pra contar.

A história da conquista desse primeiro namoro é bem bonita. Teve direito a olhares, disputa entre amigos pelo amor da donzela, rosa roubada com recado nas folhas, aquela pontinha de ciúmes ao vê-lo abraçado com outras modelos na sessão de moda da revista Querida.

Infelizmente, o moço escreveu casal com "u" numa carta que me enviou. Acredite se quiser: aquilo foi demais pra mim. Óbvio que ele nunca soube que este foi o verdadeiro motivo da coisa mais cruel que fiz em toda minha vida: terminei um namoro à distância de 6 meses, por telefone, depois de 4 meses na base das correspondências. Lembro que fiz isso para não correr o risco de me encantar por ele mais uma vez e não ter coragem de levar a cabo minha decisão.

Óbvio que, se tivesse a cabeça de hoje, eu teria feito tudo diferente.

Antonio Caetano Cintra Neto, se um dia você procurar seu nome no Google e cair aqui, saiba que eu lamento profundamente pelo que aconteceu. Você era uma pessoa muito bacana, de verdade, não merecia isso. Espero que hoje você seja/esteja feliz.

Meu marido tem o palpite de que, se tivermos a chance de conversar com quem nos traumatizou, nos surpreenderemos ao perceber que esta pessoa talvez nem se lembre do que fez - tão preocupada que terá estado em cuidar de seus próprios traumas, causados por outras pessoas.

Ou talvez se lembre perfeitamente, mas revele que não tinha um único bom motivo pra fazer o que fez.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Depois daquela noite no Clube Ipê

A década de 90 é marcada pelo aumento de casos de AIDS. Nos anos 90 morreu Renato Russo. Freddie Mercury também. Cazuza tinha morrido no final dos 80, mas eu era pequena demais pra perceber a sua ausência.

Minha madrinha, que era atriz, era tão preocupada com a doença (possivelmente tinha muitos amigos e conhecidos infectados) que antecipou muitas das conversas sobre sexo, camisinha, auto-preservação, que eu fatalmente viria a ter com os adultos.

Aliás, pensando bem, essa minha madrinha sempre antecipava as coisas. Eu devo ter ganho meu primeiro absorvente aos 8 anos de idade, pois ela ganhou um kit da Johnsons e Johnsons que continha vários livrinhos, incluindo "Como falar sobre sexo com minha filha" e me deu. Vamos combinar que estava um pouco cedo para eu pensar nisso.

Sexo eu já sabia que existia desde beeeem cedo. Li aquele livro "De onde viemos?" que explicava tudo bem direitinho, ainda na infância. Mas o olhar menos "científico" para a questão eu tive pela primeira vez depois daquela noite no Clube Ipê.

Eu gostava muito de sair para as danceterias com as colegas de escola, especialmente pra poder conversar de madrugada, já no escuro, quando todas já estavam deitadas na cama. Naquele dia, a conversa se centrou na Milena discorrendo sobre suas recentes ousadias durante uma ficada com um moço. Não se tratava de nada mais do toques em locais estratégicos, mas eram suficientes para que as meninas perguntassem, abestalhadas: "E você deixou???". Ela respondia a tudo com bastante tranquilidade dizendo que sim, visto que "ele queria e ela também". A lógica me pareceu bastante razoável.

Ainda demorou um tanto para eu querer coisas semelhantes, mas a lembrança daquele raciocínio inquestionável certamente tornou tudo mais fácil, quando foi a minha vez.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Acidentes pessoais

Os anos 90 foram os anos de ouro do Vôlei. Giovanni levantava os suspiros da torcida feminina. O Tande, com seu saque Jornada nas Estrelas, levava para o infinito a esperança de vitória nos Jogos Olímpicos. E deu certo!

Enquanto isso, nas quadras do já extinto Galileu Galilei, às terças e quintas à tarde (e em todos os recreios), as meninas da 7ª série apefeiçoavam suas sofríveis habilidades no trato com a bola e com a rede. Foram jogar também em outros colégios, tendo ficado invictas na disputa de últimas colocadas em todos os torneios de que participaram.

Eu, perto daquela mulherada, até que jogava bem. Conseguia perder pouquíssimos saques, dar impulsões e fazer alguns bloqueios, dar umas boas cassetadas na bola e vê-las atingindo o solo do outro lado.

Numa dessas ocasiões - num amistoso de véspera de campeonato para o qual eu estava me preparando com afinco e, por causa dele, corri para tirar meu RG - subi para um bloqueio e desci em cima do joelho de uma adversária que invadiu, estabeleceu seus exércitos e começou a pagar IPTU do nosso lado da quadra. Meu pé ireito virou no joelho dela e chegou ao chão em posição de romper todos os seus ligamentos laterais. Quando acordei já estava na sala da coordenação, com o pé enterrado embaixo de uma montanha de gelo.

Ali soube que a Alice, a professora de educação física, tinha me carregado de cavalinho durante todo o trajeto - que incluia uma exibição especial no pátio onde acontecia o recreio do colegial. Um vexame de grandes proporções para uma menina de 13 anos. Rezava para que o Fernando do 2ºB estivesse bem distraído nessa hora.

O episódio me rendeu: 3 meses de imobilização, 2 de fisioterapia, diversas radiografias que integraram as palestras de um dos maiores especialistas em tornozelos de São Paulo, além da volta para a escola apoiada uma bengala feita de segmentos de cabo de vassoura - mais um dos projetos do meu pai. Uma boa alma nos emprestou uma muleta de verdade alguns dias depois.

Bed of Roses, do Bon Jovi, era, naquele momento dos anos 90, um grande sucesso. Ironicamente, foi a trilha sonora desse tempo que passei na cama. Uma cama equipada com três listas telefônicas em cada pé para que a perna ficasse num nível mais alto que a cabeça. Exatamente o que o Bon Jovi tinha em mente.

E foi assim que a menina obediente que nunca tinha se acidentado conquistou uma bela história pra contar.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

O primeiro beijo

Meu primeiro beijo aconteceu no condomínio do meu tio, depois de um moço chamado Luis (e apelidado Camões) ter se encantado por uma menina "de estilo" que viu jogando vôlei na quadra do prédio.

O "estilo" a que ele se referia era o prenúncio do grunge, movimento da música e da moda que aconteceu poucos anos depois, em meados dos anos 90. Calça de moleton trazida à força até a altura dos joelhos, camiseta mais-larga-impossível para tirar qualquer vestígio de curva que pudesse ainda estar sugerida, cabelo amarrado de qualquer jeito num rabo de cavalo preso com elástico feito de meia fina.

Paquera durante o jogo, telefonemas durante toda a semana, "love of my life" tocada no violão do outro lado da linha e a certeza de ser única, diferente de todas as outras do universo.

Uma vez que estava "amando e sendo amada", cheguei à conclusao de que precisava ser menos negligente com meu visual. Fiz uma série de pequenos ajustes que estavam ao meu alcance e lá estava eu na semana seguinte, toda bonitinha, para emprestar um livro que ele nunca leria (nem devolveria).

O que aconteceu foi que o moço não encontrou a pessoa única que ele tinha idealizado quando me viu pela primeira vez. E eu desperdicei meu primeiro beijo com alguém que já estava visivelmente decepcionado com a pessoa que encontrou depois de uma semana.

Daí pra frente tive a certeza de que o melhor que temos a fazer em se tratando de relacionamentos é nos mostrar como somos, sempre.

E torcer para que o que somos tenha liga com o que o outro é.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Namorinho de portão

Os anos 90 já eram frenéticos, São Paulo já era enorme, mas eu tive a oportunidade de experimentar o "namorinho de portão" em outras cidades. Na verdade, dois: um em Osasco, outro em Ribeirão Preto.

O de Osasco foi sem graça. Muita pressão das amigas mais velhas e excessivamente urbanas. O moço era bonito, mas a sensação era infinita de não estar preparada para beijo nenhum, tentando explicar isso pras pessoas e só recebendo em retorno chantagens e um certo olhar de tédio. Ainda bem que o primeiro beijo ficou pra uma outra ocasião.

Já o de Ribeirão, foi bem gostoso. Ainda não foi dessa vez o beijo, mas valeram as conversas bobas à luz da lua, a lerdeza característica dos tímidos, o tempo que não passava para a gente se admirar melhor, o pensamento longo, a sonoridade bonita da palavra "ele".

E só.

domingo, 14 de dezembro de 2008

O preço da cantina

Apesar de entender menos sobre política e economia, eu me sentia mais ativa para interferir nessas questões do meu microcosmo, nos anos 90.

Nos anos 90, o McDonald's era o mais forte, quase exclusivo, negócio de fast food no Brasil. Ir ao McDonald's era programa resevado para dias especiais, na minha vida. Foi motivo de muita revolta descobrir que o preço do hamburguer da cantina da escola estava mais alto do que o preço pago no McDonald's pela mesma iguaria.

Organizei um movimento típico de Speaker's Corner, em Londres, em que pessoas comuns sobem em seus banquinhos e fazem seus discursos livremente para a multidão ouvir. Pesquisei todos os custos de um negócio como o McDonald's - valor do aluguel em shoppings, taxas de franquia, marketing, reforma... - e montei numa cartolina minha argumentação de ataque. Por uns 3 dias levei minha cartolina para a frente da cantina e falei com atendentes e clientes sobre o absurdo do preço do hamburguer. Até que o preço baixou.

Sei que conquistei a antipatia de muita gente com aquela petulância. Mas me sentia amparada pela democracia e dona de um orgulho infinito por mim mesma. Especialmente porque não foi fácil reunir coragem para começar com a falação. A cartolina voltou umas três vezes pra casa antes da primeira frase sair. Superação.

Segui pela vida com essa autovalorizada braveza por bastante tempo ainda. Só muito depois fui percebendo que outras estratégias também eram possíveis e algumas vezes até mais eficazes.

Ainda não cheguei ao ponto de entender completamente (e de atuar segundo) aquela frase do Mauro, meu facilitador de dinâmicas dos grupos, que uma vez disse para um colega: "fala pra ela [no caso, a mãe dele] que o afeto também é revolucionário".

Ainda sou guerreira. Mas agora um pouco mais macia, um pouco mais diplomática, um pouco mais política, um pouco mais em dúvida sobre se isso não é, também, ser um pouco mais passiva.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Guerra Fria

Nos anos 90 aconteceu o colapso da União Soviética (o muro de Berlim caiu em 1989) e o fim da Guerra Fria. Discutíamos o comunismo nas aulas de geografia e eu tinha um colega comunista bem bonitinho, o Fred, que era amigo da Patrícia.

A Patrícia teve um filho aos 13 anos - e eu a achava extremamente madura. Ter opinião forte e namorar um cara muito mais velho é, para a gente, numa certa época, sinônimo de maturidade.

Outros colegas eram de esquerda, gostavam de reagge, mas a maioria era de mauricinhos do Morumbi (felizmente, nessa época, os papos sobre calças da M.Officer, camisetas da Pakalolo e viagens para a Disney tinham ficado para trás...)

Entre comunistas e mauricinhos do Galileu, não havia guerra fria, só ideologia. A gente não sacava essa história de poder, hegemonia, apesar do professor de geografia falar muito nessas coisas (ele chamava Maurício, um mestiço de japonês alto, bonito, que me dava vários pontos positivos por participação) . Voltando ao mundo, para a gente ele era simples, só uma questão de entender, optar, convencer as demais pessoas de que uma determinada opção era a melhor. Era certo que o mundo tinha jeito.

Hoje ainda acho que tem jeito, mas creio que precisaremos passar por algumas gerações/encarnações de aperfeiçoamento.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

O momento do "click"

A pré-adolescência e adolescência é um período realmente confuso. Especialmente no caso de uma pessoa razoável.

Nesse momento da vida, Você começa a desconfiar firmemente que "ser você" é diferente de "ser filho de seus pais". Viveu toda sua vida equivocado e agora você tem duas opções:
1) radicalizar, afirmando que "para ser você mesmo, de agora em diante, não pode mais ser filho dos seus pais" - o que é evidentemente ridículo e contrário às leis da natureza; e
2) tentar encontrar, naquele mar de coisas que seus pais te deram, aquelas que já estavam com você, desde o princípio.

Pessoas razoáveis escolhem o segundo caminho. E isso, meus amigos, é bem pior que encontrar agulha no palheiro (ao procurar agulhas você sabe que formato, temperatura e brilho elas têm). De forma que considero ter saído da adolescência apenas em 2003, aos 24 anos (meu consolo é que muita gente morre velhinha, sem ter superado essa fase).

Os próximos posts contém um pouco da história dessa busca. Os pais, que povoaram boa parte das histórias dos anos 80, cedem lugar a outros personagens, nos anos 90.

No início dos 90, quem começou a me colocar no caminho da "minha verdade" não foi uma pessoa, mas uma revista - que já não existe mais, infelizmente. O nome era Querida, uma revista para meninas adolescentes, de muitas páginas (tinha até lombada), que discutia assuntos de gente jovem, contando com o ponto de vista de gente jovem que quer se entender, além de contrapontos oferecidos por psicólogos e, mais raramente, filósofos e sociólogos. Uma revista realmente diferenciada.

Não sei se a gente escolhe a revista ou a revista nos escolhe, mas sei que cresci muito com as reflexões que ela me proporcionou.

Pena que não consegui fazer o mesmo por ela (como se isso fosse possível...). Pena que minha(s) filha(s) não terão o mesmo benefício.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Fim da década de 80

E eis que termina o período destinado a falar sobre os anos 80 nesse blog. Amanhã, dia do aniversário do meu pai, começa o mês prometido para a década de 90.

Da lista de posts que eu pretendia desenvolver, faltou apenas aqueles sobre:
- termos ganho o prêmio originalidade num campeonato de pipas da escola do meu irmão;
- minha mãe ser uma guerreira e meu pai e eu irmos buscar ela no ponto de ônibus tarde da noite, voltando do trabalho, com meu irmão na barriga;
- eu muitas vezes gostar mais de acompanhar o jogo de buraco dos adultos do que as brincadeiras das crianças;
- uma pêra ter sido a fruta mais gostosa que já comi na minha vida;
- eu ter tido o privilégio de ter uma coleção de disquinhos de histórias da melhor qualidade, musicado pelos grandes ídolos da MPB;
- eu ter participado de rodas de cantoria em muitos churrascos que aconteceram aqui em casa e em reuniões na casa da minha madrinha;
- eu ter passado muita vergonha com essa mesma minha madrinha que dançava comigo no meio dos shoppings (ela era atriz) e assim ter me acostumado a não ter tanto medo da exposição e do ridículo.

Fica a lista registrada. Quem sabe eu não preencho aquelas datas que ficaram vagas em novembro e início de dezembro, em algum outro momento (sim, descobrir essa funcionalidade no blogger foi libertador!).

Por ora, passo para uma nova fase: posts sobre a pré-adolescência e adolescência. Vamos ver como isso se dará.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Água

Acredito que meus descendentes lerão o post abaixo com a mesma incredulidade que experimentamos quando pessoas nos dizem que nadavam no Rio Tietê.

Tenho certeza que as gerações vindouras não terão a mesma felicidade que eu tive nos anos 80, época em que meu contato com a água era muito mais frequente, duradouro e aproveitado.

Por exemplo... eu e minhas primas inventamos o "banho de caneca": uma de nós agachava e a outra, depois de encher a leiteira até a boca, avisava a outra para que prendesse a respiração e, em seguida, despejava aquele montaréu de água caudalosa de sua cabeça. Havia uma velocidade certa que tornava tudo mais delicioso: nem tão rápido que a água não descesse como uma carícia, nem tão devagar se não deixasse o cabelo bem liso enquanto escorria. Era uma curtição.

Regar as plantas do quintal também era uma tarefa que eu gostava de realizar. Como a mangueira era curta, eu tinha que diminuir a abertura para aumentar a pressão e encontrar a inclinação correta para que a água alcançasse as plantas mais distantes. Me divertia com os desenhos que a água formava ao sair da mangueira. Gostava também quando conseguia produzir uma atmosfera toda respingada e formava arco-irís bem ao alcance da minha mão.

Gostava de lavar carro e banheiro, de escorregar nos azulejos cheios de sabão, de molhar toda a roupa num dia de sol.

Também tomava muito banho de banheira. Quando era bem pequena, usava o espaldar como escorregador e, na queda, espalhava água no banheiro inteiro. Quando maior, ficava horas submersa, jogando a cabeça de um lado pra outro, fazendo os cabelos mexerem gostoso com o couro cabeludo. A água tão quentinha ia aquecendo e enrrugando a pele.

Uma vez, participei de um banho de esguicho no Gávea. Um professor de educação física ficava bem longe com uma mangueirona de bombeiro, molhando a meninada já preparada com seus trajes de banho, com autorização assinada pelos pais.

No Gávea também, num dia de muito calor, participei de uma desobediência coletiva em que toda a 4ª série invadiu os banheiros dos funcionários, se encharcou de água fria e saiu pingando pelos corredores de tapetes verdes daquela área restrita destinada ao pessoal da administração.

Naquele dia eu realmente não entendi nada. Sempre fui uma menina exemplar, obediente, que evitava broncas a todo custo. Relutei em participar da farra, mas o calor estava demais. Quando fomos descobertos, me arrependi, fiquei precupada, pensei que fosse perder a bolsa de estudos, tudo de ruim.

Mas o que aconteceu foi que os adultos se preocuparam muito mais com a nossa saúde do que com o tapete. Arrumaram toalhas e uniformes sequinhos pra gente vestir, foram atenciosos e amáveis.

Deve ser o poder da água na minha vida, que transmuta tudo o que há de ruim e devolve em tudo que há de bom.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Avareza

A minha infância nunca foi repleta de brinquedos caros.

O piano citado anteriormente - em que eu supostamente deveria treinar - era emprestado e tinha um monte de teclas desencapadas (da época em que o coitado ficou encostado na marcenaria do dono que, por sua vez, herdou aquela coisa e nunca soube o que fazer com ela).

Com meu irmão, brincava de parque de diversões. Eu era "dona" de uma parte dos brinquedos e ele, de outra. O brinquedo mais disputado era o ônibus leito. Consistia em deitar num pedação de carpete (de forro, pra ser mais exata) e ser puxado em alta velocidade pela extensão da sala vazia (sim, quase não existiam móveis na sala naquela época).

Para brincar de casinha em dias de chuva, eu envergava um colchão e o colocava entre os batentes da porta (percebam a qualidade dos colchões de que dispunhamos naquele tempo). Parecia mais um iglu do que uma casinha.

Se tive muitas figurinhas, foi por ter conseguido rapelar tantas. Devo ter comprado uns 3 ou 4 envelopinhos em toda minha vida.

De forma que, no dia em que ganhei uma caixa de lápis de cor de 36 cores, ela se tornou a preciosidade da minha existência. Guardava num lugar secreto, tinha ciúmes, passava muito tempo ensaiando combinações de cores que nunca passavam para o papel, para não gastar.

Isso eu devo à minha avó. Guardar sempre as melhores coisas para estarem disponíveis nesse tempo que não existe e nunca existirá: o futuro. Assim me neguei muitos deleites na infância e na adolescência. Assim deixei de colorir muitos dos meus dias. Assim, assim.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Eu, bebê.

Existem memórias que nao são nossas, mas acabam integrando nossa história como se fossem. É o caso do "dia em que a família inteira passou mal".

Meu pai conta que foram todos comer num restaurante e a comida estava estragada. Eu me salvei pois só comia papinha naquela época. Até hoje ele se admira de naquele dia - eu tinha 1 ou 2 anos - eu parecer ter percebido que algo não ia bem com as pessoas. Não amolei em momento algum. Fiquei a tarde inteira brincado sozinha, quietinha, com meus brinquedos.

Também ele contava que eu praticamente nasci de olho aberto e saí da maternidade já querendo comer o mundo com os olhos.

O fato de meu pai ter me contado essas e outras histórias sobre mim me fez ter uma imagem sobrenatural, extraordinária, de mim mesma bebê.

Há alguns meses meu pai transformou uns filmes super 8, que estávam há muito tempo guardados sem termos forma de asistir, em DVD. Foi muito estranho ver meus gestos, meus interesses, meus movimentos, minhas birras. Elas eram típicas de um bebê como qualquer outro. Eu não era mais brilhante que ninguém, afinal!

A corujisse de um pai, essa sim, pode ser extraordinária, brilhante, sobrenatural.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Palavras de criança

Aproveitando o post anterior sobre palavras escritas, vale a pena escrever sobre memórias envolvendo minhas palavras faladas.

Uma das primeiras coisas que minha mãe me ensinou a falar foi meu número de telefone. Imaginem um toquinho de gente falando "869-2165". O plano ela era que, caso a gente se perdesse, quem achasse pudesse ligar em casa. Foi exatamente isso que eu fiz quando me perdi no CEASA. Lembro vagamente de algumas cenas desse dia.

Outra coisa que minha avó sempre se lembra é que eu e meu irmão nem ligávamos quando algum brinquedo quebrava. A gente falava "papai conseita" e continuava brincando com alguma outra coisa até meu pai chegar do trabalho.

Eu chamava bolacha de "Pa-ti-tum". Ninguém sabe muito bem de onde eu tirei essa palavra, mas desconfio que essa é a onomatopéia referente ao barulho que o maxilar do meu pai faz quando ele come alguma coisa crocante.

Agora, a história mais engraçada envolvendo coisas que eu falei (e que minha tia não me deixa esquecer) e aconteceu quando eu estava mais grandinha, falando frases mais completas.

Foi assim:

Meu pai e meu tio deram pra comentar sobre os atributos femininos traseiros, comparando-os ao formato das frutas. Cometeram o erro primário cometido por todos os adultos em algum momento: o de considerar que a criança não está prestando atenção na conversa ou que, caso esteja, nunca fará nada com as informações obtidas.

Pois bem: aquele ano era o ano em que o fio dental estava sendo lançado. E eis que uma das pioneiras passou ao lado do meu baldinho de areia e, voila!, o formato era exatamente o formato da pêra! Saí em disparada pela praia atrás do meu pai gritando: "Pai, olha a bunda que você gosta!". Minha tia ri até hoje das caras enverganhadíssimas do meu pai e da moça (que no final das contas deve ter achado uma péssima idéia ter comprado aquele biquini diferente).

Eu só me lembro da minha sincera preocupação em fazer com que meu pai entendesse o que eu estava dizendo (ele estranhamente parecia não estar me ouvindo, apesar de eu estar falando bem alto).

Esse episódio talvez tenha sido a minha porta de entrada para o mundo dos adultos, no sentido de entender um pouco melhor os conceitos de público e privado nas comunicações, especialmente quando o assunto envolve sexo.

Freud explica, mas explica sempre atrasado e nunca para crianças.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Livros infantis

Os anos 80 foram repletos de palavras. Houve, no Brasil, um boom na literatura infanto-juvenil, impulsionada pela priorização dada à formação de leitores e embalada pelo discurso de redemocratização do país.

Minha mãe nunca me deu livros para ler sem que ela própria lesse um por um até aprovar a qualidade e os "ensinamentos" que as histórias traziam em seu bojo.

Contos de fadas tradicionais, por exemplo, eu conheci fora de casa. Minha mãe nunca quis que eu me educasse para esperar ser salva por um príncipe encantado, nem que eu acreditasse que pessoas eram sempre boas ou sempre más, nem que eu tivesse a ilusão de que ser bela me resolveria todos os problemas.

Alguns livros que eu li quando pequena guardo até hoje por serem realmente de grande significado para mim.

"Pequenininha" é um deles. Conta a história de uma menina que passa um dia na casa da avó e descobre um quarto de coisas antigas. É narrado por uma pessoa adulta - provavelmente o pai da Maia - que fica matutando na sua vontade de guardar a menina no bolso. No final, ele acaba concluindo que se fizesse isso, ela nunca iria perdoá-o por ter deixar de viver tantas aventuras.

"Procurando firme" é a história de uma princesa muito geniosa, chamada Linda Flor, que não gostava dos príncipes que apareciam para salvá-la, que ficava com vontade de fazer os cursos que o irmão fazia para correr o mundo (ao invés dos que ela fazia para ser prendada) e um dia deu um susto em todo mundo quando decidiu colocar seus planos em prática. Saiu "procurando não sei o quê, mas procurando firme!"

Um outro que eu gosto bastante é do "Nicolau teve uma idéia", sobre um homem que ia falando com as pessoas e ia aumentando seu repertório de idéias. Gostava do conceito, mas pra dizer a verdade, nem me lembro muito bem de como terminava.

Esses livros me ensinaram que mais legal é ser pró-ativo, se lançar, ir descobrindo coisas e ir se descobrindo no caminho. Que é legal refletir e ter memórias. Que tendo as perguntas, algum dia a gente chega nas respostas.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Música na televisão

Nos anos 80, a TV nos trouxe muitas coisas interessantes. Outras nem tanto, mas de não menor influência. E aqui vou me deter sobre as músicas que conheci por meio da telinha.

Começando pela parte de gosto discutível, os anos 80 foram repletos de Menudos e Dominós. Eu, como todas as meninas da época, tinha meu integrante preferido. Em geral eu não escolhia o preferido da maioria e me sentia muito autêntica por isso. E seguia repetindo roboticamente os sempre mesmos passos das dancinhas...

Uma vez meu pai flagrou eu e minhas primas ensaiando um show que apresentaríamos para os adultos. O ponto alto do espetáculo seria uma exibição inédita da coreografia da música "Não se reprima". Pra quem se lembra, tratava-se de uma sequência frenética de exercícios de bíceps/tríceps entremeados por giros bobos ao redor de si mesmo. Nada faria mais sentido. Pois bem, antes que pudéssemos apresentar a obra, meu pai mobilizou minha mãe e meus tios para ELES apresentarem um show para nós. Até hoje me lembro como era engraçado ver aqueles adultos nos imitando, exagerando movimentos, parecendo verdadeiros débeis mentais. Surtiu o efeito desejado! Eles se livraram de ter que falar que aquela porcaria que estávamos ensaiando era "linda!" e fomos obrigadas a exercitar o senso crítico a partir daí.

Também foi pela televisão que eu conheci, e gravei, um show da Madonna dos áureos tempos. Era um show em que ela cantava "Like a Virgin" com um vestido rodado azul claro, "La Isla Bonita" com uma roupa de espanhola vermelhíssima, uma outra música que esqueci com aquele espartilho creme de peitos em formato de cone. Esse show me despertou a paixão pelos figurinos.

Mas a coisa que eu mais gosto de lembrar (e rever) é uma série de shows televisionados que passavam após o horário da novela, em que Chico Buarque e Caetano Veloso traziam convidados para cantar com eles. Era tão bonito aquilo! Era tão rico de vozes e letras e temas e superações! Esses shows definiram meu gosto musical durante muito tempo. Ainda mais pela visível amizade que permeava aquelas pessoas e aquelas letras que muitas vezes eu custava a entender...

Nos anos 80, assim como é hoje e será sempre, as crianças têm acesso a infernos e maravilhas pela TV (hoje também pela internet). Faz parte da missão educá-las para ver e para fazer escolhas.

Escolhas bem feitas fazem um bem enorme para o coração.