quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Água

Acredito que meus descendentes lerão o post abaixo com a mesma incredulidade que experimentamos quando pessoas nos dizem que nadavam no Rio Tietê.

Tenho certeza que as gerações vindouras não terão a mesma felicidade que eu tive nos anos 80, época em que meu contato com a água era muito mais frequente, duradouro e aproveitado.

Por exemplo... eu e minhas primas inventamos o "banho de caneca": uma de nós agachava e a outra, depois de encher a leiteira até a boca, avisava a outra para que prendesse a respiração e, em seguida, despejava aquele montaréu de água caudalosa de sua cabeça. Havia uma velocidade certa que tornava tudo mais delicioso: nem tão rápido que a água não descesse como uma carícia, nem tão devagar se não deixasse o cabelo bem liso enquanto escorria. Era uma curtição.

Regar as plantas do quintal também era uma tarefa que eu gostava de realizar. Como a mangueira era curta, eu tinha que diminuir a abertura para aumentar a pressão e encontrar a inclinação correta para que a água alcançasse as plantas mais distantes. Me divertia com os desenhos que a água formava ao sair da mangueira. Gostava também quando conseguia produzir uma atmosfera toda respingada e formava arco-irís bem ao alcance da minha mão.

Gostava de lavar carro e banheiro, de escorregar nos azulejos cheios de sabão, de molhar toda a roupa num dia de sol.

Também tomava muito banho de banheira. Quando era bem pequena, usava o espaldar como escorregador e, na queda, espalhava água no banheiro inteiro. Quando maior, ficava horas submersa, jogando a cabeça de um lado pra outro, fazendo os cabelos mexerem gostoso com o couro cabeludo. A água tão quentinha ia aquecendo e enrrugando a pele.

Uma vez, participei de um banho de esguicho no Gávea. Um professor de educação física ficava bem longe com uma mangueirona de bombeiro, molhando a meninada já preparada com seus trajes de banho, com autorização assinada pelos pais.

No Gávea também, num dia de muito calor, participei de uma desobediência coletiva em que toda a 4ª série invadiu os banheiros dos funcionários, se encharcou de água fria e saiu pingando pelos corredores de tapetes verdes daquela área restrita destinada ao pessoal da administração.

Naquele dia eu realmente não entendi nada. Sempre fui uma menina exemplar, obediente, que evitava broncas a todo custo. Relutei em participar da farra, mas o calor estava demais. Quando fomos descobertos, me arrependi, fiquei precupada, pensei que fosse perder a bolsa de estudos, tudo de ruim.

Mas o que aconteceu foi que os adultos se preocuparam muito mais com a nossa saúde do que com o tapete. Arrumaram toalhas e uniformes sequinhos pra gente vestir, foram atenciosos e amáveis.

Deve ser o poder da água na minha vida, que transmuta tudo o que há de ruim e devolve em tudo que há de bom.

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