domingo, 30 de novembro de 2008

Cartas, notícias e negociações

Nos anos 80, a carta, escrita de próprio punho, era a forma escolhida para mandar notícias de menor urgência para parentes e amigos distantes. As notícias de urgência mediana iam por telefone, após as 20h00, quando a tarifa era mais barata. Se a notícia era urgente mesmo, ligava-se na hora.

Notícias de uma menina de 7 anos para primas de 9 e 11 anos em geral não eram consideradas urgentes. Falávamos sobre a escola, sobre os passeios que tínhamos feito, sobre as brincadeiras, sobre os doces que tínhamos comido.

Escrevíamos cartas e tínhamos coleções de papéis de carta. Passávamos muitas horas de nossas pequenas vidas admirando a beleza de cada um dos retângulos tamanho A5 impressos. E outras muitas horas alterando a ordem da pasta para uma exibição perfeita (talvez venha daí minha mania de editar albuns de fotografia...)

Quando me lembro da minha coleção, imediatamente me vem à cabeça três episódios: o do papel de carta mais feio do mundo, o do papel de carta do apontador de arco-íris e o do papel de carta do coelhinho.

O papel de carta mais feio do mundo foi um bloco que minha mãe uma vez trouxe para mim com 20 exemplares em que figurava uma menina comum, de cara um pouco quadrada, um tanto desarrumada pelo vento, em vermelho e sépia. Ela veio toda feliz, achando o papel de carta lindo. Naquele dia descobri que gosto não se discute.

O papel de carta do apontador de arco-íris era, este sim, um dos papéis de carta mais lindos do mundo. Que eu troquei com uma menina sem ter um repetido por causa de uma chantagem. Me arrependi amargamente, rodei o mundo atrás do mesmo papel de carta para comprar ou para trocar, sem sucesso. Naquele dia descobri que é preciso saber se defender das manipulações.

O papel de carta do coelhinho era muito interessante, diferente dos outros. Não era desenho, era como se fosse uma foto, mas num estilo de filme antigo. Esse eu ainda devo ter, se alguém quiser ver. Pois esse papel de carta foi um que a pessoa que trocou comigo se arrependeu e veio me pedir pra destrocar. Tive uma empatia enorme pelo problema da pessoa, mas não cedi. Naquele dia tive orgulho de mim pois soube defender meus interesses e não ser "boazinha" como eu sempre era, na expectativa de receber uma migalha de amizade em retorno.

E de tudo ficou um grande aprendizado: quanto mais a criança interage, dentro das dimensões de seu mundo, mais preparada ela estará para lidar com as interações, quando ela e os limites de seu mundo ficarem maiores.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Trajetos e destinos

Nos anos 80 ainda não havia acontecido a grande abertura promovida por Fernando Collor de Mello que, apesar de toda a bagunça que fez com a ajuda de Zélia Cardoso, Cabral e companhia (assunto para posts do próximo mês), tinha certa razão a respeito de nossos carros serem carroças.

Peguei uma lista de carros dos anos 80 num blog alheio para nos lembrarmos de quem povoava nossas ruas, naquela época: Fiat 147, Brasília, Corcel, Fusca, Belina, Chevette, Passat, Variant, Opala, Maverick, Landau, Galaxie, Caravan, Gol, Voyage, Parati, Saveiro, Santana, Quantum, Del Rey, Pampa, Escort, Spazio, Oggi, Panorama, Uno, Prêmio, Elba, Fiorino, Marajó, Monza, Chevy 500, Kadett, etc.

Lá pela minha garagem passaram: uma Panorama 1979, da qual eu gostava porque tinha nascido junto comigo; uma Belina de placa 1910, que eu gostava porque era o ano em que meu avô nasceu; um Fusca verde, que eu gostava porque era do meu outro avô e a gente achava bem engraçado que ele buzinava em todas as esquinas; um Gol que ficou pouco tempo, logo substituído por um Voyage num negócio memorável para toda a família, envolvendo uma linha telefônica que subiu demais de preço (!?!?!?) e nos deixou numa sinuca desgraçada; e, finalmente, um Prêmio que ficou pra mim quando aprendi a dirigir (chegando à minha mão, acreditem se quiser, com 180.000 quilômetros rodados).

Me concentrando na parte que se refere aos anos 80, carros fizeram parte da minha vida principalmente para me levarem à escola, em esquema de rodízio com os filhos de uma amiga da minha mãe. Sempre estudamos bem longe de casa. Minha mãe, como excelente professora que era, nos colocou em colégios ótimos, mais caros do que podíamos pagar e bem distantes de onde morávamos. E era durante essas viagens que tínhamos as maiores oportunidades de conversar com nossos pais - coisa que eles também sabiam e aproveitavam pra valer.

Na volta pra casa, meu pai nos ensinou a nos perdermos pela cidade. Isso mesmo. Lá pelas tantas ele perguntava pra criançada: "Vamos se perder?". A torcida ia ao delírio!!! Passávamos por lugares nunca antes navegados. Eu adorava, especialmente quando era sexta-feira, dia do meu Piano. Guardava sempre aquela esperança íntima de passássemos bastante tempo perdidos...

Fora isso, tinha aquela coisa que toda criança faz: ficar amigo do motorista do carro de trás, dar tchauzinho, fazer aquele "jóinha alternado com o número dois vária vezes", brincar de tiroteio e, invariavelmente, ficar triste quando o amigo vira à direita e seu carro continua em frente.

Carro é, até hoje, por esses e por outros motivos, um lugar onde eu gosto de estar. Isso independe de que carro seja. Independe de pra onde o carro vá (acontece muito de eu me sentir mais feliz nos trajetos do que nos destinos).

Estar num carro, especialmente com companhia, me dá uma agradável sensação de pertencer.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Sobreviventes

Nos anos 80, como em todas as décadas desde que o mundo é mundo, crianças não foram programadas para sobreviver. E nós não fomos diferentes.

Me lembro do dia em que meu irmão, ainda bebê, caiu de seu carrinho com a cara em cima de um cano desencapado. Foi assim que ele conquistou uma bonita cicatriz em formato de anzol que o acompanha até hoje.

É viva também a memória do sangue correndo da minha cabeça e manchando minha blusa favorita (uma miniblusa azul, da Minnie) na ocasião uma série de fatos imprevisíveis me renderam alguns pontos no alto da cabeça. Quem poderia imaginar que rolar de costas por sobre um grande tambor solto perto de um tanque de areia - este deliminado por pequenos muros de cimento - poderia resultar em qualquer tipo de acidente?

Um acidente potencial que nunca ocorreu - apesar das frequentes chances que demos - foi cairmos de uma escada que existe na casa da minha mãe direto na outra parte da escada - de uma altura que vaia de 1 a 4 metros. Era a coisa mais gostosa do mundo abraçar o murinho que servia como corrimão e ir deslizando lá de cima sem colocar os pés nos degrais!

À medida que vamos crescendo, ficamos mais previdentes, nos afastamos das situações que podem nos machucar. Talvez por irmos aos poucos construindo um repertório maior de experiências de dor (creio que isso vale também para outras dores menos tangíveis que conhecemos mais tarde na vida).

Quanto mais nos protegemos - o que equivale de uma certa forma a cultivarmos o medo - mais distantes ficamos também da deliciosa sensação de alegria que os momentos anteriores Em às possíveis fatalidades nos trazem.

Nos machucamos menos, mas nos fazemos menos felizes também. Trade offs. Faz parte do processo de deixarmos de ser crianças. Reflexo, talvez, de acreditarmos que temos mais o que perder depois de adultos.

Ou não?

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Transações

Enquanto, nos anos 80, Ronald Reagan e Margareth Tatcher traçavam a política neoliberal, eu e minha família empreendíamos como podíamos.

Meu pai inventou um aparelho, apelidado carinhosamente de canetinha, que, em contato com a pele, acendia um led vermelho ao encontrar uma terminação nervosa. Chegou a vender o aparelho para alguns médicos, recebeu encomendas de acupunturistas, foi legal. Eu ajudava a fazer soldas, acompanhava a produção das plaquinhas eletrônicas e os trabalhos de construção e utilização dos moldes em durepox.

Eu, do meu lado, também ensaiava minhas micro empresas. Uma vez inventei um "perfume de rosas". Amassetei um punhado de pétalas brancas caídas da roseira da minha avó, misturei com álcool e montei uma barraquinha no portão. Não vendi nenhuma gota da poção afrodisíaca, obviamente.

Algum tempo depois, me encantei por um envelope da minha coleção de papeis de carta. Ele tinha um corte interessante, barroco como vim a saber depois. Meu pai anunciou que me mostraria uma coisa foi abrindo o envelope completamente, cuidadosamente, inclusive naquelas partes coladas. Eu fiquei brava por ele estar estragando tamanha preciosidade, ao que ele respondeu com o tradicional "péra, péra, péra". Então ele me mostrou que, a partir daquele envelope, era possível fazer um molde para construir outros semelhantes. Fiz esse e outros, montei envelopes de várias cores, e consegui vender cerca de meia dúzia (não cobriu meu investimento inicial, mas foi bom).

Essas primeiras experiências (depois vieram outras, inclusive com CNPJ) são de alguma forma emblemáticas do que, até o momento, vem a ser meu relacionamento com os negócios. Muito envolvimento, carinho, coragem, diversão. Tino comercial que é bom...

Quem sabe um dia?

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Minha única medalha

Devem ter acontecido muitas coisas no mundo do esporte na década de 80. É claro, eu não sei precisar com certeza.

O Senna deve ter ganho muitos Grandes Prêmios. A Hortência do basquete provavelmente era uma celebridade na época. Talvez o Oscar também. Acho que o Vôlei ainda não era forte. Ou era?

Enquanto essas coisas aconteciam ou não aconteciam, eu... era sempre das últimas a serem escolhidas para os times na aula de educação física. Estamos falando daquela idade em que ser a mais alta corresponde necessariamente ser a mais estabanada. Na minha mão, a bola sempre tinha vida própria.

Só lembro de um lugar onde eu era feliz jogando bola: a Rua Bonfim, em Ribeirão Preto. Lá eu era líder de time na queimada. Para fugir da bola, eu era ótima! Parecia possuída!!! Me lembro de uma vez que saltei e abri um espacate no ar para deixar a bola passar. Foi a sensação do verão!

Em São Paulo, eu sempre ganhei medalhas que não me pertenciam (a não ser pelo pensamento positivo que eu possa, eventualmente, ter feito de lá do banco de reservas). Mas houve uma conquista na 3ª série que eu nunca vou esquecer. Foi assim:

Não havia mais ninguém, mais ninguém mesmo, que não tivesse sido escalado para outras modalidades. A regra era que todo mundo precisaria participar de, pelo menos, uma prova no campeonato. Pois bem, tive que ser a representante da classe na corrida de resistência.

Apesar de ninguém acreditar sinceramente de que daquela cartola sairia algum coelho, senti o peso da responsabilidade. Minha classe dependia de mim, numa prova individual.

Nesse dia, as torcidas ficaram dentro da quadra, enquanto nós corríamos do lado de fora do gradil. Ainda me lembro das pessoas me provocando, se reposicionando para nos ver melhor, se jogando contra a grade pra gritar qualquer coisa.

Eu larguei em último lugar e fui assim por um bom tempo. Foi bem chato quando eu, lá pelas tantas, quase morrendo, assisti a menina que estava em primeiro lugar me ultrapassar. Juliana, era o nome dela. Na minha memória, ela tinha um certo "quê" de Mick Jagger.

É claro que eu estava a um milímetro de desistir. Foi nessa hora que eu recinheci uma voz amiga que passou o restante da prova me acompanhando e me dizendo de dentro da grade: "mantenha o ritmo", "vai em frente", "respira", "a Juliana não vai aguentar por muito tempo".

E eis que, uma ou duas voltas depois, retomei com dignidade minha posição de último lugar. E logo mais, numa ultrapassagem que arrancou os gritos da torcida, fiquei à frente daquela que tinha estado em primeiro lugar durante boa parte da prova! E assim cruzei a linha de chegada.

Não conseguia acreditar! Minha turma comemorando de verdade meu segundo lugar!

Não me lembro qual foi a importância dessa pontuação para o compto geral do campeonato. Mas, para mim, isso siginificou receber a única medalha da qual eu realmente fiquei orgulhosa na vida.

Se bobear, até hoje, em momentos difíceis, quando estou prestes a desistir, ouço essa voz, no meio da gritaria, dizendo: "mantenha o ritmo", "vai em frente", "respira", "isso não vai adiante por muito tempo"...

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

15 minutos de fama

Nos anos 80, eu e meu irmão estudávamos piano.

Meu irmão, mais disciplinado, mais concentrado e tão competitivo quanto eu, fazia muito mais bonito nas audições particulares pro meu avô, patrocinador da iniciativa. todos os dias pela manhã. Eu, mais avoada e invariavelmente sem vontade de treinar, quase sempre era um desastre.

Mas havia um livro de partituras que nos fazia declarar trégua na disputa pelo reconhecimento alheio: o "Piano a quatro mãos". A divisão de tarefas era adequada: eu fazia o acompanhamento (basicamente a repetição dos acordes, dentro de um determinado ritmo) e ele se encarregava das melodias, que eram mais complicadas.

Nos anos 80 existiam poucos Shoppings em São Paulo, e nós praticamente só íamos ao Eldorado. Tomávamos lanche no Texas Burger e saíamos com um chapéu de cowboy fantástico, feito de plástico amarelo. Minha mãe sempre procurava alguma coisa pra comprar na extinta loja de departamentos "Eldorado Plaza" e reclamava dos preços, enquanto eu e meu irmão brincávamos de esconde-esconde no meio das araras.

Um belo dia, estávamos descendo as escadas rolantes e vimos um homem tocando piano na frente do Gig's. Rodeamos um pouco, nos apoiamos na lateral do instrumento, esperamos o cara terminar a música e logo perguntamos se poderíamos ocupar o lugar dele.

Fomos a sensação do shopping durante a duração do Carnaval de Veneza e d'O Bife. As pessoas que desciam as escadas rolantes se aglomeravam para nos assistir. Paramos logo porque, obviamente, meu repertório decorado se resumia a essas duas músicas.

Depois dessa época também aprendi órgão e violão, mais ou menos da mesma forma: apenas o suficiente para agradar ouvidos pouco exigentes. Cantava nos churrascos de casa, para uma platéia cativa (e cativada por princípio). Volta e meia fico com vontade de cantar numa banda, desde que ela não tenha grandes aspirações.

Só porque é charmoso ser band leader. Só porque é gostoso ser aplaudida, de vez em quando.

domingo, 23 de novembro de 2008

Primeiro amor

Nos anos 80 eu tive um amor de infância.

Daqueles que ele gosta de você quando você não gosta dele e no momento seguinte invertem-se os papéis. O nome dele era Rodrigo Mateus de Souza Campos, meu melhor amigo.

A "revelação" aconteceu num dia na 2ª série em que a professora perguntou se ele casaria com ela, quando crescesse. O Rodrigo tinha um tipo físico assim, de um futuro Raí, sabe? A professora não era boba nem nada. Mas a resposta do garoto foi não, porque "gostava de outra pessoa". Todos ficaram muito curiosos e atentos a partir daí. Até todo mundo perceber que não tinha pra ninguém. Era de mim mesmo que ele gostava.

Eu imaginava, toda vez que escutava "Quase sem querer", do Legião Urbana (e não era pouco), que era ele quem cantava a música pra mim. Durante o acantonamento, conheci a "Olhar 43", do RPM, e foi nele que pensei enquanto entendia só metade da letra.

Conversar com o Rodrigo foi importante quando meu pai viajou para o Japão. O pai dele também tinha ficado um tempinho no exterior e ele me garantiu que, apesar da saudade, o tempo passava rápido.

Também tenho certeza que ele votou em mim naquela pesquisa feita pelos jornaizinhos da 4ª série, na seção "a menina mais legal na opinião dos meninos". Ganhei com boa margem aquela pesquisa. Pena que, por algum motivo que hoje eu não consigo precisar, não achava viável passar o recreio com os meninos (isso teria me poupado um pouco do sofrimento relatado anteriormente).

Respirei aliviada quando, na festa mais legal de todos os tempos (à qual eu não fui), aconteceram muitos primeiros beijos, mas nenhum com ele.

A história, como qualquer história de amor infantil que se preze, não teve muitos desdobramentos.

Depois que a escola fechou, ele foi para o Ítaca, eu para o Galileu. Ainda o vi saindo pelo portão uma vez, quando passava de carro, voltando pra casa.

Encontrei o Rodrigo depois de muito tempo, quando fui prestar vestibular na ESPM (eu publicidade, ele administração). Nada parecido com o Raí. Depois soube que ele foi pra Ribeirão Preto. Isso é tudo.

Algumas pessoas nunca vão saber a importância que tiveram na curta vida de outras.

A não ser que, inadvertidamente, um dia digitem seu próprio nome no Google e caiam no blog de alguém que fez uma retrospectiva dos anos 80, quase vinte anos depois.

sábado, 22 de novembro de 2008

Moda e música

Os anos 80 foram anos muito divertidos.

Década das músicas mais saltitantes, das maiores irreverências, das roupas mais ridículas. Anos em que realmente não merecíamos ser levados a sério.

Usei minisaia por cima de calça, jeans semibaggy, macacão cintura alta, camisa branca com ombreira, brinco de plástico de pressão em formato de triangulo, brilhos, fosforecências... Recentemente aproveitei uns Skol Beats para fazer um revival de parte dessa liberdade anti-estética!

Ganhei uma boneca da Porcina, uma moça que trabalhou lá em casa, que era a cara dos anos 80. Roupa de ir para a balada: cabelo de lã espetado pra todos os lados, roupinha listada de prateado com preto - por cima de uma calça de ginástica - e faixa na cabeça. Fiquei bem triste quando meu pai mandou a Porcina embora porque ela saia à noite e no outro dia não conseguia acordar. Nada mais anos 80.

Naqueles anos gente da minha idade ia pros bailinhos (ou brincadeiras dançantes, para quem morava no interior). Tempo de grandes emoções, taquicardias, palpitações, quando alguém te tirava para dançar uma música lenta (muuuuuuuuuuuuito raro!). Pegar na mão era prova de amor eterno.

No playlist não podia faltar "Dancing with myself", "Karma Chameleon", "Take me to the Church on time", "You spin me round (like a record)", "Just can´t get enough", no melhor estilo "estou no mundo a passeio".

Que a irreverência dos anos 80 nos acompanhe a todos...

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Amizades

Nos anos 80, o Colégio Gávea existia.

O Gávea é uma escola que guardo com muito carinho dentro do meu coração. Reencontrei sua antiga dona numa viagem recente a Petrópolis e entendi melhor porque a escola era do jeito que era: crianças passando o recreio na sala da diretora (explorando jogos e outras coisas interessantes), aula de ouvir histórias e de cantas música dos titãs (dentro da própria grade curricular), meu poeminha sobre a Amazônia virando ficha de estudos de todos os alunos da 4ª série... Como escola, era um sonho (algo que um dia eu quero proporcionar pros meus filhos). Mas também foi palco de muitos momentos difíceis na minha vida.

Por um azar incrível, as duas pessoas que eu costumava chamar de amigas no início da minha vida eram tudo, menos amigas. Hoje sei que existe nome para o que eu vivia: bullying. Não recomendo.

Minha reação ao ser colocada continuamente "de gelo" (situação em que a regra é as pessoas agirem como se você não existisse), orientada pela voz experiente da minha mãe, foi aprender a não ligar, a viver sem precisar de amigos, a me bastar.

Sinto que, mesmo depois de passada a fase brava, nunca mais consegui incluir realmente as amizades na minha vida. Elas existem, eu adoro de paixão meus amigos, mas eles ocupam um lugar marginal na minha rotina. Isso é uma coisa que eu acho, de certa forma, triste (mas só quando paro pra pensar. Do contrário, nem percebo que isso acontece).

Aos dez anos, quando eu estava na 4ª série, quase que tudo passou a ser diferente. Por pouco. Eu me espantei de mudar de classe e tanta gente passar a me achar uma pessoa legal. Fui incluída, convidada, considerada, enturmada. Até hoje acho que aquele foi o ano mais feliz da minha vida (até pelo contraste com os anteriores).

Foi nesse ano que a escola fechou e, com ela, fechou-se também minha janela de oportunidade. As pessoas se espalharam por muitos colégios e eu, bem, não senti imediatamente o quanto tinha me ressentido.

Creio que foi desse momento como em diante que eu eu coloquei definitivamente minhas metas (meus escudos) acima dos meus sentimentos. A partir daí fiz muitas escolhas sem me dar ouvidos de fato. O que me levou pra longe de mim mesma muitas (e importantes) vezes.

Hoje me tenho mais perto. Porém com as idiossincrasias que carrego dessas andanças. Com muitas coisas ainda por equilibrar.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Construção

Minha casa foi construída com recursos do BNH (Banco Nacional da Habitação).

Antes, no terreno de 250m², comprado com a ajuda do meu avô, existia uma casa de pau a pique minúscula, cheia de buracos nas paredes.

Brinquei com meu irmão durante as várias fases de construção da casa: equilibrista na fase das fundações, Indiana Jones na fase do tijolo à vista, esconde-esconde na fase de acabamento.

O primeiro aniversário comemorado na nova casa foi o meu, aos 4 anos, ainda pisando no contrapiso. Alguns meses depois veio o inverno e, com ele, os carpetes.

Nosso quintal já sofreu muitas transformações. Houve um tempo em que tínhamos uma verdadeira fazenda em miniatura no fundo de casa: abacateiro, goiabeira, pessegueiro, pé de mixirica, limoeiro, milho, fruta do conde, canteiros com cenoura, alface, beterrada, além das ervas - salsinha, cebolinha, hortelã, alecrim, arruda, manjerição, novalgina, alfazema... - e das criação de galinhas, codornas e patos. Tínhamos também um cachorro, duas tartarugas, dois periquitos e três ramsters. Foi nessa época que a escolhinha do meu irmão promoveu uma excursão dos alunos do jardim II para a minha casa.

Também tivemos um parquinho com balaço, escorregador, gangorra e caixa de areia no fundo do quintal. Na parte cimentada, eu e meu irmão desenhávamos ruas e cruzamentos para andar de bicicleta em alta velocidade. Jogávamos vôlei, futebol, basquete...

Estou lembrando agora de mais uma invenção do meu pai: uma forma de prender o cachorro de forma que pudesse correr de um lado para o outro. A corrente do cachorro não era presa num ponto fixo. Ela corria ao longo de um fio de arame bem grosso fixado no chão, rente ao muro, de fora a fora. Era gostoso ouvir aquele barulho e saber que o Sansão estava por ali...

Durante a década de 80, no período de crise mais grave, muita gente não conseguiu pagar as prestações do financiamento e quase perdeu a casa. A gente estava nessa lista.

Graças a um erro do governo da época na proposição de um acordo, aliado à agilidade dos meus pais e à valiosa orientação de uma amiga da família que trabalhava na Caixa Econômica Federal, conseguimos dar entrada na papelada no único dia em que a possibilidade desse acordo vigorou. Voltamos a pagar as prestações e, alguns anos depois, quitamos a dívida.

Minha avó - que mora hoje numa casa construída no fundo do quintal que abriga tantas memórias (aproveito para desafiar meus leitores a adivinharem quem projetou essa casa tão bem resolvida em termos de aproveitamento de espaço, iluminação e ventilação) - afirma que foi um ritual de despedida para os antigos moradores daquele terreno, envolvendo xaxim e queimas, que abriu os caminhos para a consolidação dessa conquista.

Quem sou eu pra duvidar? Agradeço profundamente, a todos os viventes e não viventes, pela graça alcançada.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Videocassete

Na década de 80 os videocassetes chegaram às casas das pessoas.

Apesar de não termos dinheiro para comprar nem Danoninho, um belo dia meus pais chegaram contentíssimos em casa.

Pareciam duas crianças. Subiram correndo as escadas. Enquanto meu pai instalava aquele trambolhão preto na TV, minha mãe segurava ansiosa as 5 fitas que alugou na primeira locadora inaugurada no bairro. Depois percebemos a importância de ela ter sido uma das clientes mais antigas, mais assíduas e com o maior tíquete médio daquele lugar: isso foi determinante para a criação do único acervo dos chamados filmes de arte num raio de 15 km.

Uma vez, eu peguei 5 filmes no início das férias - que terminaram sem que eu os tivesse devolvido. Foi uma crise de grandes proporções lá em casa. Para compensar o prejuízo, combinamos que eu ficaria 6 meses sem passar nem perto da locadora.

Resultado: fiz a carterinha na biblioteca e comecei a ler muitos livros das coleções Vagalume, Tramas e Transas, Encontros e Desencontros, Para Gostar de Ler, ... Além deles terem me ajudado a viver muitas aventuras, me deram um importante argumento para tentar reduzir a minha pena: aos 3 meses de uso semanal da biblioteca, não tinha atrasado em 1 dia sequer a devolução dos livros.

Chamei meu pai para uma reunião e ele não resistiu ao "poder dos meus argumentos". Foi assim que pude voltar a alugar minhas fitas.

Acredito que alguns filmes que vi naquele videocassete fizeram parte da minha constituição pessoal: "Thelma & Louise" me fez valorizar a coragem feminina; "A Insustentável Leveza do Ser" me sensibilizou para as noções de público e privado, liberdade e cerceamento; "Retratos da Vida" contribuiu para fortalecer minha aversão à guerra; "Shirley Valentine", bem, esse eu só fui entender muito tempo depois...

Gosto de narrativas. De contextos, de evoluções, de clímax, de transformações, de gente em construção.

E também gosto de finais felizes.

domingo, 16 de novembro de 2008

Política e Democracia

A década de 80 foi muito importante para a democracia brasileira. Primeiro, aconteceu a passagem do poder dos militares para um presidente civil - que morreu em seguida. Depois, veio o bigodudo maranhense do Plano Cruzado. Depois aconteceu a eleição do caçador de marajás.

Dessas épocas me lembro de ver meus pais preocupadíssimos, acompanhando na TV o cortejo do caixão coberto com a bandeira, sem conseguir que alguém conseguisse me fazer entender o que estava acontecendo.

Depois me lembro de ver um montão de gente nas passeatas pelas "Diretas Já!" e meu pai falando que "a mamãe estava aparecendo na TV". Forcei muito a vista para enxergar, mas não vi nada.

Também me lembro da inflação galopante. Ela fazia com que meu pai ligasse pra minha mãe no dia em que recebia o pagamento e assim nos aprontávamos depressa para chegarmos ao supermercado o mais rápido possível.

Naquela época fazíamos uma compra enorme, pro mês inteiro, e tentávamos sempre pegar os pacotes da direita do etiquetador (antes que ele conseguisse terminar de remarcar os preços). Foi nessa época que compramos o freezer, pra poder estocar carnes por mais tempo.

Nas eleições de 89, fui ao meu primeiro comício - o mais lindo do mundo. Muita, muita gente no Anhangabaú cantando "é a gente junto, valeu a espera, sem medo de ser feliz". A gente realmente pensou que fosse daquela vez. Mas o Jornal Nacional editou o último debate e mudou os rumos da eleição.

Acompanhei tudo isso e acreditei que a população tem mesmo algum poder de influenciar seu próprio futuro, de mostrar sua força nas ruas, ainda que nem sempre os objetivos sejam alcançados numa primeira vez.

Talvez essas experiências tenham contribuído muito para meu jeito de pensar o futuro e o país - contruído por todos, melhor para todos.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

TK85

Segundo a amiga Wikipedia, na década de 80 os computadores se popularizaram. Eu estava lá e vi isso acontecendo desde o começo.

Meu pai é pesquisador do IPT desde que nasceu e, portanto, sempre teve acesso antes ao que estaria por vir. Foi assim que, quando eu tinha uns 3 anos, ele chegou com um TK85 em casa.

Era um computadorzinho que tinha 64 kilobytes (KILO-bytes!) de RAM. Tinha um componente com um interpretador de Basic e os programas ele lia de um... gravador a pilha! Sim, desses que liam fitas cassete (e que a gente utilizava canetas Bic para rebobinar - para não gastar as pilhas que não eram nem alcalinas, nem recarregáveis). Ouvir aquelas fitas era como ouvir a tela das "formigas" que passavam na TV quando estas saiam do ar. E eu me perguntava como era possível que aquele joguinho tão legal do labirinto pudesse estar escrito naquele barulhão.

Também tinha o Atari. Ao invés de comprarmos os cartuchos dos jogos, meu pai copiava o programa em circuitos integrados virgens (!). Era só tirar o componente do encaixe e substituir por outro. A tecnologia da minha casa avançou quando ele implementou uma alavanca para fixar e liberar o CI com mais facilidade. Genial, esse meu pai.

Depois veio o Apple, medindo pouco menos de 1 metro quadrado de área, a partir de uma vista aérea. Nele havia um jogo que tentava adivinhar o animal que você tinha pensado. Se não acertasse, te fazia uma pergunta e aprendia o novo animal para acertar da próxima vez. Muito esperto esse programa. Mas muito ingênuo também (a gente contava um monte de mentiras e ele fazia papel de bobo de vez em quando).

Essas são as memórias digitais da primeira década da minha vida. Muito tempo depois agreguei na minha vida a robótica, a eletrônica, a pneumática e vai, vai, vai... até uma feira de nanotecnologia que visitei ontem - e que merece um post exclusivo, depois que essa missão de retrospectiva acabar.

O fato é que acho tecnologia um grande barato!

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Contagem regressiva

Hoje começa a contagem regressiva: 3 meses para meu aniversário de 30 anos. 1 mês para cada década. Pensei em fazer, a partir de agora, uma retrospectiva que relacione fatos históricos dos anos 80, 90 e 00 com a história da minha própria vida nesses períodos.

Vamos ver se vou ter perna pra isso...

domingo, 9 de novembro de 2008

E na morada...

Ontem descobri que o sol vai bater nos 4 metros quadrados mais ansiosos por raios UVA e UVB da minha vida. Sincronia total com a compra daqueles dois biquinis que estavam nos planos - e o mais legal: nos encontramos mais bonitos do que previam os meteorologistas, graças so poder da marquinha (!) que a essas alturas já apresenta ares de mais saudável.

Outros toques no acabamento vão ativando sonhos. Ali vão acontecer as conversas filosóficas, ali vou comemorar meu aniversário de 30 anos, lá teremos as aulas de culinária com a Mazé. Vou imaginando as músicas que serão tocadas em cada uma dessas ocasiões, os amigos que estarão comigo, as risadas, o açucar, o afeto.

Pareço uma criança das épocas de albergue de primos em Ribeirão Preto. Naquelas madrugadas imaginávamos piscinas com passagens secretas, casas nas árvores, descida do segundo andar por pau de sebo, garagem em que caíssemos sentados em nossos carros conversíveis à moda do Batman.

Hoje a cabeça é diferente, mas o deleite é igual.

Que seja eterno enquanto dure.

sábado, 8 de novembro de 2008

Possessiva

Como é chato ver seu blog andando por aí com outros conteúdos.
Preciso mexer nesse template urgentemente. Pra ele ser só meu...

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

CD em Loop Infinito

Amor é sempre bonito. Não interessa se a primeira, segunda, terceira, quarta ou milionésima vista...

Vi, Não Vivi - Zélia Duncan
Composição: (Itamar Assumpção)

Primeira vez que eu te vi
Meu coração não fez clique
Se ouvi ou vi, não vivi
Seu clique, seu trique-trique
Não vi sushi, sashimi
Nem eros, nem afrodite
Primeira vez que eu te vi
Primeiro vi seus limites


quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Ensaio sobre a razão

Sou ferrenha defensora da racionalidade (mesmo porque faz parte do instinto de sobrevivência as pessoas defenderem aquilo que predominantemente são).

Olhar a vida pelos olhos da razão faz com que a gente se localize melhor no mundo. Vamos paulatinamente entendendo melhor suas dinâmicas, as forças que nele atuam, seus elementos constituintes. Ficamos gradativamente menos ingênuos e menos reféns das situações (na hipótese, claro, de estar ao nosso alcance fazer algo a nosso favor).

Olhar pra si pelos olhos da razão nos faz mais senhores de nós mesmos. O livre-arbítrio, na minha opinião, joga no time da razão (se bem que, pensando melhor, pode haver controvérsias a esse respeito). Mas vá lá: os objetivos, os planos, a realizações, definitivamente não ocorrem por impulso ou acaso.

É claro que nem tudo são flores na vida de um racional inveterado. Especialmente quando ele é possuído pela obsessão/ilusão de pretender chegar ao grau máximo da evolução de sua espécie: a coerência. Se, além de coerente ele ainda quer ser lembrado como exemplo de bondade, ética ou sabedoria, aí danou-se.

Ia dizer que a pessoa racional aprende mais rápido, podendo mais rapidamente superar as ilusões, mas acho que isso é uma grande bobagem. O auto-engano está aí, à disposição de todos, para os mais diversos fins. O auto-engano é do território da emoção - e ninguém está livre dele. Conclusão aristotélica: ninguém está livre da emoção.

E nessa parte do texto eu fico com vontade de agradecer, mas agradecer mesmo, todas as vezes que a emoção é forte demais e sai do controle da razão. É pela emoção que nos sentimos vivos.

Fechado o parênteses - e com uma dificuldade enorme de me focar no objetivo inicial desse texto - começo a pensar na admiração que tenho pelos intuitivos e pelo seu pensamento não linear.

É, minha gente. Era uma vez uma pessoa que ia fazer uma defesa ferrenha de alguma coisa nesse post...

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Vulnerabilidades

Há algum tempo estava querendo escrever um post sobre o cuidar. Tenho tido algumas experiências que revelam a força de um gesto de carinho/solidariedade/cuidado/respeito para uma pessoa que se encontra num ambiente hostil ou indiferente à sua presença.

A coisa é forte. É forte a ponto de fragilizar, derreter, apaixonar, manipular. Por coisas simples - idiotas até.

Como alguém tirar caixas pesadas da sua mão e prontamente te ajudar a carregar, naquele dia fatídico. Como alguém comentar no seu blog quando você estava carente e ninguém mais o fez.

Fico pensando nos muitos milhões de outras pessoas desse mundo que tem a vida mais triste do que a minha, que são vistos com mais indiferença ou mais hostilidade, numa frequência maior que eu.

Me faz entender como é fácil se deixar levar por um candidato qualquer que ofereça uma coisa qualquer acompanhada de um sorriso. Me faz entender como é fácil se deixar levar completamente por um caso que ofereça qualquer migalha, qualquer olhar de ternura ou desejo.

Promessas de uma vida melhor. Quem as deixaria escapar?

Alguns fechados, alguns atentos, alguns vítimas das maiores perdições. Somos todos vulneráveis.