domingo, 30 de novembro de 2008

Cartas, notícias e negociações

Nos anos 80, a carta, escrita de próprio punho, era a forma escolhida para mandar notícias de menor urgência para parentes e amigos distantes. As notícias de urgência mediana iam por telefone, após as 20h00, quando a tarifa era mais barata. Se a notícia era urgente mesmo, ligava-se na hora.

Notícias de uma menina de 7 anos para primas de 9 e 11 anos em geral não eram consideradas urgentes. Falávamos sobre a escola, sobre os passeios que tínhamos feito, sobre as brincadeiras, sobre os doces que tínhamos comido.

Escrevíamos cartas e tínhamos coleções de papéis de carta. Passávamos muitas horas de nossas pequenas vidas admirando a beleza de cada um dos retângulos tamanho A5 impressos. E outras muitas horas alterando a ordem da pasta para uma exibição perfeita (talvez venha daí minha mania de editar albuns de fotografia...)

Quando me lembro da minha coleção, imediatamente me vem à cabeça três episódios: o do papel de carta mais feio do mundo, o do papel de carta do apontador de arco-íris e o do papel de carta do coelhinho.

O papel de carta mais feio do mundo foi um bloco que minha mãe uma vez trouxe para mim com 20 exemplares em que figurava uma menina comum, de cara um pouco quadrada, um tanto desarrumada pelo vento, em vermelho e sépia. Ela veio toda feliz, achando o papel de carta lindo. Naquele dia descobri que gosto não se discute.

O papel de carta do apontador de arco-íris era, este sim, um dos papéis de carta mais lindos do mundo. Que eu troquei com uma menina sem ter um repetido por causa de uma chantagem. Me arrependi amargamente, rodei o mundo atrás do mesmo papel de carta para comprar ou para trocar, sem sucesso. Naquele dia descobri que é preciso saber se defender das manipulações.

O papel de carta do coelhinho era muito interessante, diferente dos outros. Não era desenho, era como se fosse uma foto, mas num estilo de filme antigo. Esse eu ainda devo ter, se alguém quiser ver. Pois esse papel de carta foi um que a pessoa que trocou comigo se arrependeu e veio me pedir pra destrocar. Tive uma empatia enorme pelo problema da pessoa, mas não cedi. Naquele dia tive orgulho de mim pois soube defender meus interesses e não ser "boazinha" como eu sempre era, na expectativa de receber uma migalha de amizade em retorno.

E de tudo ficou um grande aprendizado: quanto mais a criança interage, dentro das dimensões de seu mundo, mais preparada ela estará para lidar com as interações, quando ela e os limites de seu mundo ficarem maiores.

4 comentários:

Anônimo disse...

Anos 80? Engraçado como vc fala desse período como um passado distante...eu escrevia em blocos de papel carta, folhas leves, um avião na capa que nos lembrava que a carta iria voar...eu entrei num programa de correspondência (palavra sumida né? Emails não correspondem?) e me correspondia com duas meninas, uma na Suécia e outra em San Martin, Argentina. Acho que foram os amores mais platônicos que consegui...Me correspondia muito com um amigo aqui de SP, a gente se encontrava muito mas continuava a escrever cartas. Também nos correspondíamos por um bloco comum, num local comum. Um escrevia o outro lia e respondia na página seguinte e deixava no lugar de sempre...
Ah...tenho quilos de cartas se vc quiser ver documentos históricos, quase paleolíticos dos anos 70...
bj

Anônimo disse...

Pois é, Bera, tem tanta coisa que já não é mais como antigamente que sim, dá pra considerar os anos 80 como passado já um tanto distante. Gostei da lembrança dos Pen Friends. Também tive uma amiga Alemã nesse esquema...

Quanto ao acesso a documentos históricos, estamos aí! Me interesso muitíssimo!

Lilian disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Puxa, se eu soubesse o quanto uma coleção de papéis de carta poderia ajudar na minha formação eu teria tido umas três pastas!